segunda-feira, 30 de junho de 2014

O caso do despedimento do cozinheiro e do furto do queijo ‘Camembert’

Tribunal da Relação anula decisão do Tribunal do Funchal que havia desvalorizado o facto do cozinheiro ser analfabeto.
EMANUEL SILVA
A história é deliciosa e passou-se numa unidade hoteleira da Madeira.
Reza assim:
No dia 9 de Setembro de 2012, pelas 17h30, ao sair do hotel onde desempenhava funções de cozinheiro de 2ª, o trabalhador foi interpelado pelo segurança, no controle de saída, o qual, constatou, ao fazer a revista da bolsa daquele, um queijo do tipo ‘Camembert’ de 250 gramas, tendo o cozinheiro afirmado que havia tirado o queijo pois queria “experimentar”.
Subsequentemente, o segurança redigiu uma declaração, onde consta: “Eu [nome do cozinheiro], tirei o queijo ‘Camembert’ da cozinha principal do Hotel, para levar para fora do Hotel e comer devido a ter curiosidade de provar.”
Visto tratar-se de um Domingo, o director-geral dos Recursos Humanos do Hotel ordenou ao trabalhador que este comparecesse no Departamento de Recursos Humanos do grupo, no dia seguinte, 10 de Setembro, pelas 9h00.
No dia seguinte o trabalhador apresentou-se, tendo dito que pretendia apresentar a sua demissão, pelo que foi elaborada e lida uma declaração onde estaria a resolver o seu contrato de trabalho.
Acontece que o trabalhador é analfabeto, apenas sabendo assinar o seu nome, não percebendo o teor do documento que lhe foi apresentado não se apercebendo de que estava a resolver o seu contrato de trabalho.
Não obstante estar ciente do que sucedeu, o trabalhador impugnou o despedimento junto do Tribunal do Trabalho do Funchal.
Alegou que assinou um documento na convicção que seria para gozar férias nesse mês de Setembro e não para pôr fim ao vínculo contratual que tinha com a empresa desde a longínqua data de 19 de Novembro de 1982.
Quando voltou de férias tomou consciência do sucedido pois foi-lhe comunicado que já lá não trabalhava mais.
Alega que foi enganado pela empresa pois jamais teve a vontade de se demitir pelo que foi despedido ilicitamente, sem justa causa (sem o competente e necessário processo disciplinar).
O Tribunal do Trabalho do Funchal apreciou o caso e absolveu a entidade patronal de reintegrar o trabalhador e de lhe pagar as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento.
Inconformado por o tribunal de 1.ª instância não ter declarado a ilicitude do despedimento, o trabalhador recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) que, a 21 de Maio último, proferiu uma decisão curiosa:
Julgou a apelação parcialmente procedente e, em consequência, anulou a decisão proferida em 1ª instância, ordenando que seja proferida nova decisão da matéria de facto quanto ao facto alegado pelo trabalhador, se necessário com repetição do julgamento quanto a essa parte, bem como nova decisão de mérito.
E que facto foi esse? A invocação de que, após regressar de férias, a empresa lhe comunicou que já não trabalhava mais para a ré na sequência da assinatura da declaração de denúncia, pelo que foi despedido.
Mas mais curiosa é a fundamentação dos juízes-desembargadores para mandar repetir parte do julgamento: Não sabendo ler, o cozinheiro estava mais fragilizado em termos negociais. Como a leitura do documento ao subscritor não foi feita pelo notário ou solicitador que também confirmaria ou presenciaria a subscrição do documento, a declaração negocial é nula.

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