sábado, 10 de maio de 2014

Maria do Carmo Rodrigues: in memoriam

OPINIÃO
Por LUÍS ROCHA

Passados alguns dias sobre o falecimento da escritora madeirense Maria do Carmo Rodrigues, que nos deixa a todos culturalmente mais pobres, e na perspectiva de contribuir para um eventual revitalizar do interesse pela sua obra, permito-me, na sequência das acções elogiosas e memorialísticas empreendidas por vultos como o historiador e docente universitário Nelson Veríssimo e pelo escritor José Viale Moutinho, reproduzir neste blogue, no qual colaboro, uma entrevista realizada por mim com este nome cimeiro da literatura infantil madeirense (e também nacional), publicada nas páginas do Diário de Notícias da Madeira a 8 de Janeiro de 2013. Jornal esse ao qual me honrei de pertencer durante 23 anos mas cujas páginas dedicadas a artes e assuntos culturais se encontram hoje em dia enxameadas de disc-jockeys, modelos e iniciativas comerciais em bares e quejandos, ao ponto de ignorar, sem uma nota alusiva, o falecimento de vultos do calibre de Maria do Carmo Rodrigues. Já agora, palavra especial para o artista plástico e professor Celso Caires, que veio recemtente somar-se àqueles que já partiram, deixando cada vez mais pobre uma Região que, no que à Cultura concerne, hoje se encontra cada vez mais de rastos. Nunca fui íntimo deste último, mas respeito os que o consideravam e reconheço-lhe o valor.



Um longo percurso a escrever para crianças

'1+1=2 gatos' foi o seu mais recente livro, publicado já numa editora da Madeira

Há muitas décadas que a autora madeirense Maria do Carmo Rodrigues escreve para crianças. Com uma sensibilidade especial e buscando passar uma mensagem, sem nunca a impor
Luís Rocha

Da Madeira para Lisboa, e novamente para a Madeira: uma escritora que soube afirmar-se no plano nacional.

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Firmou um nome na literatura infanto-juvenil ao longo de décadas, acrescentando a esta actividade a de cronista nos jornais e coordenadora de suplementos destinados às crianças, como o semanário infantil 'A Canoa', do Eco do Funchal, o qual posteriormente viria a editar e dirigir como publicação independente.
Autora de obras tão marcantes como 'Dona Trabucha', (Portugália, 1964), 'Sebastião, o Índio' (Ilhatur, 1982), 'A Jóia do Imperador' (Presença) ou 'A Mensagem Enigmática' (na mesma editora, em 1993, seleccionado para as Olimpíadas da Literatura, da Fundação Círculo de Leitores), Maria do Carmo Rodrigues escreveu ainda outras obras como 'Tiago Estrela' (2002, recomendado pelo Plano Nacional de Leitura), João Gomes do Gato (Vega, 2002) ou 'Aventuras de Chico Aventura' (Vega, 2005). Desde 1979 a residir em Lisboa, onde desfrutava amplamente da vida cultural, esta escritora madeirense regressou recentemente à terra que a viu nascer, em 1924. Uma opção, conforme referiu, ditada pelo avançar da idade e pela existência, na Madeira, de maior apoio familiar - embora, interiormente, continue a manter um espírito jovem, aberto e crítico. Crítico, como, de resto, é patente a quem lê as suas obras, onde, a par por vezes de uma certa ironia, se denotava frequentemente uma intenção pedagógica, de alerta para problemas e situações sociais. É o caso do racismo, de questões como a emigração, a protecção da natureza...
A literatura infanto-juvenil, disse-nos esta autora, "é um género exigente no sentido de uma sensibilidade que nem todos possuem, porque é preciso acompanhar a criança, o crescimento, os seus problemas, saber focá-los e deixar uma mensagem que seja pedagógica. É essencial essa mensagem não imposta, mas sim subjacente. É o que eu tenho procurado fazer nos meus livros".
Apesar disto, reconhece como "muito mais trabalhoso" escrever romances para adultos. Ainda pensou fazê-lo, mas acabou por escolher como público privilegiado a infância.
A apetência para a literatura, revela, é algo que lhe vem da mais tenra infância, quando as suas redacções eram elogiadas pela professora, que as lia em público e as indicava como exemplo nas aulas. Recorda também a figura do docente Feliciano Soares, ex-director do DIÁRIO, "professor extraordinário e também autor", que a incentivou muito, e que ajudou a publicar, em 1941, no Jornal da Madeira, o seu primeiro trabalho, um conto de Natal. Um prémio ganho num concurso da Mocidade Portuguesa, "que era o que havia na época", ajudou também a dar-lhe confiança para a missão de escrever. Iniciou então colaboração com o jornal 'Comércio do Porto', a qual desenvolveria desde a década de 40 à de 70 do séc. XX.
Maria do Carmo Rodrigues recorda que o facto de sempre ter sido uma leitora interessada a direccionou para a escrita, acto que apreciava muito.
Beneficiou, depois, do incentivo do poeta Cabral do Nascimento, "que a dada altura me disse que eu não podia ficar só pela imprensa: deveria começar a publicar livros". Foi assim que se decidiu a publicar 'Dona Trabucha, a Costureira Bucha', e que mereceu o elogio da então jornalista e mais tarde escritora Helena Marques, aqui mesmo neste DIÁRIO. "Estávamos, então, ambas muito atentas à literatura", relembra.
"Eu era muito nova nessa altura, não tinha material, concerteza para fazer um livro para adultos", diz. Mas evoca a memória da escritora Maria Lamas, que, a dada altura, lhe disse ter muita pena que Maria do Carmo Rodrigues se estreasse com 'Dona Trabucha' e não com um livro para adultos. "Mas eu sentia-me, então, sem suficiente conhecimento da vida para ser esse tipo de romancista", confessa.
As referências à Madeira surgem em vários momentos na sua obra, por exemplo em 'O Vencedor', o seu segundo livro, ou em 'A Jóia do Imperador'. Mas não se deixou prender a estereótipos: em 'Chamo-me Leovigildo', por exemplo, o livro que a escritora acha mais divertido de entre os que escreveu, a acção passa-se em Oeiras. Em alguns casos, os enredos dos seus livros passam-se em Lisboa; outros na Madeira, e outros "em parte nenhuma" (risos). A Madeira, porém, foi sempre uma referência presente, mesmo que de passagem. "A maior parte dos meus livros foi escrita em Lisboa, mas nunca esqueci a minha ilha e as raízes que tenho". A transmissão de valores como as tradições insulares e o amor à natureza foi algo que pugnou: "Por exemplo em 'Aventuras de Chico Aventura, abordo o problema dos incêndios na serra", reconhece. Temas como a emigração, que causam sofrimento às crianças, devido à sua separação dos pais, foi algo que tentou também desenvolver. Tal é notório, por exemplo, em 'Tiago Estrela' ou em 'Aventuras de Chico Aventura'. Para chegar a uma melhor comunicação com a infância, Maria do Carmo Rodrigues socorreu-se por vezes de enredos quase policiais, como em 'A Jóia do Imperador' ou 'A Mensagem Enigmática'. Tudo para cativar os leitores, para os quais publicou há pouco em 'O Liberal' o livro '1+1=2 gatos', onde uma menina narra as suas aventuras com estes felinos. E promete mais para breve.

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