segunda-feira, 31 de março de 2014

A guerra do ‘Raspa’ e do ‘Raspadinha’

Associação de Municípios da Madeira e a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) ainda esgrimiram argumentos na Justiça mas a polémica arrefeceu. A Madeira tem ‘Raspa’ desde 1985, os Açores desde 1987. A ‘Raspadinha’ só surgiu em 1994. Está prevista uma coima para quem violar a exclusividade da ‘Raspadinha’ mas a SCML é tolerante para com as Regiões Autónomas. Nos quiosques de vendas, a Santa Casa instruiu os seus agentes que quem vende ‘Raspadinhas’ não pode vender ‘Raspas’.

Por EMANUEL SILVA
Jogo vendido na Madeira.


Jogo vendido nos Açores.
A 23 de Dezembro de 1994, o Conselho de Ministros concedeu à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) o direito de organizar e explorar um jogo denominado “lotaria Instantânea” para todo o território nacional. Era o começo da ‘Rapadinha’.
A Associação de Municípios da Madeira (AMRAM), que já explorava um jogo denominado ‘Raspa’, desde 1985, insurgiu-se contra a ‘Raspadinha’ e contra o facto dela poder entrar na Região, fazendo concorrência ao ‘Raspa’.
A AMRAM partiu para a Justiça impugnando a resolução do Conselho de Ministros. Mas, no Supremo Tribunal Administrativo (STA), perdeu o processo por duas vezes, em 1999 e em 2002. Ganhou a tese segundo a qual a regulamentação da exploração dos jogos de fortuna e azar “só ao governo central incumbe, não tendo sido transferida pelo DL nº 420/80, de 29/9 para as Regiões Autónomas a competência nessa matéria”.
Refira-se que a SCML havia invocado que, desde 1960, a legislação previa para a SCML a exploração de “outros formas de lotaria” em regime de monopólio. Pelo que, a haver infractor, ele só poderia ser a Região.
“Nunca à Região Autónoma da Madeira foi cometida competência para concessão deste ou outro tipo de lotaria e, por tal motivo, não se pode dizer que o Governo Central tenha legislado em invasão de poderes ou com retrocesso de autonomia anteriormente concedida”, dizia o acórdão do STA.
Mais dizia o STA que “não se deve ignorar, por outro lado que, no quadro da Autonomia das Regiões Autónomas, não é permitido ir além do que a tanto o permita a soberania nacional. Se uma lei geral da República se funda em interesses nacionais gerais, pouca ou nenhuma margem resta à parcela de intervenção autonómica, porque nesse particularismo o que releva é a expressão da unidade e do todo nacional”.
Quando se esperava que a SCML agisse em conformidade e avançasse para a execução de sentença, entraram em campo as negociações. O ex-presidente da AMRAM, Savino Correia teve várias reuniões com a ex-provedora da SCML, Maria José Nogueira Pinto.
Em cima da mesa estiveram vários cenários desde a possibilidade de acabar com o ‘Raspa’, a faculdade de repartir lucros provenientes do jogo regional com a SCML, até a hipótese da AMRAM ser o único agente oficial da ‘Raspadinha’ na Madeira.
Nenhuma hipótese se concretizou. ‘Raspa’ e ‘Raspadinha’ coexistem na ilha embora em quiosques e revendedores locais diferentes. A SCML alargou a venda da ‘Raspadinha’ a todo o território nacional (Regiões Autónomas incluídas) mas deixou cair, nas ilhas, a exclusividade na exploração deste tipo de lotaria instantânea. Apenas instruiu os seus agentes que não podem vender o ‘Raspa’.
A SCML reafirma que “a violação daquele exclusivo constitui contra-ordenação, punível com coima”. Contudo, nada adianta sobre a faculdade de instaurar tal contra-ordenação.
Ou seja, não obstante os ganhos de causa na Justiça, existe uma tolerância por parte da SCML ao deixar as Associações de Municípios da Madeira e dos Açores, nas respectivas regiões, continuar a explorar o ‘Raspa’.
O ‘Raspa’, comercializado na Madeira, rende à AMRAM pouco mais de um milhão de euros por ano. É a principal fonte de financiamento líquido da AMRAM.
A ‘Raspadinha’, segundo o Departamento de Jogos da SCML, teve um valor de vendas, na Região, superior a 8,5 milhões de euros no período compreendido entre 1 de Janeiro e 31 de Outubro de 2013.
No todo nacional, até Novembro de 2013, os portugueses apostaram cerca de 542 milhões de euros em ‘Raspadinhas’, mais 166 milhões de euros do que em 2012.
Segundo foi noticiado recentemente, os jogos sociais do Estado arrecadaram 1.790 milhões de euros em vendas brutas em 2013, um crescimento de 3,5%.
Segundo o relatório e contas do Departamento de Jogos da SCML, 52,5% das vendas advieram do Euromilhões, que arrecadou 939 milhões de euros.
No caso da lotaria instantânea (33% das vendas), o valor total foi de 127 milhões de euros; o totoloto garantiu 127 milhões, ou seja, 7,1% das vendas; o joker rendeu 42 milhões, a lotaria popular rendeu 27 milhões e o totobola acumulou 10 milhões de euros.
1.002 milhões de euros foram entregues em prémios a apostadores, mais 5,9% relativamente a 2012. Os lucros resultantes da exploração dos jogos foram de 541 milhões de euros, sendo que 539 milhões foram distribuídos aos beneficiários dos jogos sociais do Estado.
Nos Açores, os primeiros bilhetes do ‘Raspa’ saíram a 4 de Maio de 1987, nas Festas do Senhor Santo Cristo dos Milagres. O jogo é explorado pela Associação de Municípios da Região Autónoma dos Açores (AMRAA) que, agora, estuda a possibilidade de subconcessão do jogo instantâneo.
Para a história, na Madeira, fica o episódio em que alguns apostadores, em vão, reclamaram da AMRAM mais de 3 milhões de contos (moeda antiga) por causa da impressão de três ‘símbolos’  de um naipe de cartas que, na óptica dos apostares, lhes daria direito a prémio. A controvérsia interpretação entre ‘símbolo’ e ‘carta’ chegou ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que pôs fim ao litígio a 18 de Fevereiro de 2003.

Sem comentários:

Enviar um comentário