domingo, 8 de dezembro de 2013

Atleta, pintor e autarca desempregado


José  Ornelas começou na política na década de 90, ao ingressar num movimento de luta por água canalizada. Hoje é presidente da Junta de Freguesia do Jardim da Serra, um órgão executivo que ajudou a fundar.

REPORTAGEM
Por PATRÍCIA GASPAR
 
Aos 23 anos, José Ornelas já tinha sido emigrante e estava prestes a ser pai, mas nem isso o dissuadiu de integrar o movimento ‘Sem água não há votos’ no Jardim da Serra, numa altura em que os protestos públicos podiam equivaler a grandes transtornos pessoais.

Berço de agricultores, a povoação câmara-lobense já havia demonstrado ser terra de gente com causas aquando da eclosão da Revolta do Leite, em 1936. Todavia, na década de 90, a povoação caminhava para algo maior: a desanexação da freguesia do Estreito de Câmara de Lobos.

As queixas de segregação multiplicavam-se. Os populares reivindicavam a instalação de saneamento básico e mais caminhos pavimentados. Daí ao aparecimento do movimento ‘Sem água não há votos’ foi um passo.

José Ornelas que aos 15 anos emigrara para a Venezuela havia-se habituado ao conforto garantido pela água canalizada reviu-se nas reclamações e acedeu de imediato ao protesto.

“Fui ameaçado. Os meus familiares tinham medo que fosse preso, mas isso não me importava. Costumava dizer: posso ir preso, mas o povo vai ter água em casa”, recorda o presidente da Junta de Freguesia do Jardim da Serra.

O esforço foi compensado, ‘a terra das cerejas’ conquistou o direito ao saneamento básico e aos serviços de transporte público nos sítios mais recônditos da povoação, mas tais conquistas só se efectivaram com a elevação, em 1996, do Jardim da Serra a freguesia, um acontecimento noticiado por todo o País e para o qual José Ornelas também contribuiu.

“Foi o meu envolvimento no ‘movimento da água’ que me levou a
integrar o Grupo de Cidadãos Eleitores “Seremos Freguesia Jardim da Serra”. José Ornelas juntava-se às vozes do descontentamento, numa terra onde a roupa ainda era lavada nas ribeiras, á água era transportada das fontes públicas em baldes e as crianças das zonas mais altas andavam a pé durante quase uma hora para chegarem à escola.

“Foram tempos muito difíceis. No Inverno, lavar a roupa nas ribeiras era um perigo. A água canalizada trouxe um nível de segurança e conforto que a população não estava habituada”, conta o autarca.

O social-democrata elege o dia 4 de Julho de 1996 como um dos mais felizes de sempre. Estava oficialmente criada a freguesia do Jardim da Serra, com a devida publicação em Diário da República. Um ano depois, José integrava a Comissão Instaladora da Freguesia do Jardim da Serra que elegeu Manuel Neto para presidente. 

“O Manuel Neto é, para mim, um exemplo, um professor, ele foi um lutador”, exclama José Ornelas que herdou, há pouco mais de um mês, a Junta de Freguesia liderada, desde a sua criação, por Manuel Neto.

Desde que integrou o movimento ‘Sem água não há votos’, a vida de José Ornelas intrincou-se com a evolução da vida política da freguesia.

“Depois das eleições autárquicas de 1997 (a primeira eleição para o órgão executivo da freguesia), tomei posse como primeiro presidente da assembleia de freguesia. O grupo de cidadãos liderou sozinho até 2002. Nesse ano, integrei a lista conjunta com o PSD”, lembra.

Em 2006, José Ornelas fez uma pausa na política, mantendo-se apenas como presidente da direcção da Associação Cultural e Desportiva do Jardim da Serra - cargo que desempenhava desde 1999 - até ser indicado como candidato pelo PSD, na última campanha autárquica.
 

Uma vida atribulada

 Aos 15 anos, o autarca do Jardim da Serra rumou à Venezuela, onde o irmão mais velho o acolheu por sete anos. A experiência fê-lo crescer, garante, habituado que estava aos mimos da mãe e das irmãs.
“Não me deixavam levantar uma palha. Na Venezuela, tive de aprender a me desenrascar”, confessa.

As saudades de casa fizeram-no regressar aos 22 anos. Dedicou-se à construção civil como técnico fiscal de obras e um anos depois foi pai pela primeira vez.

Para trás ficou a ambição de estudar para além do 12º ano. As contingências financeiras não o permitiram na juventude e hoje, aos 47 anos, a incerteza voltou a bater-lhe à porta, após ter perdido o emprego.


“Estou há um ano e meio no desemprego. O subsídio é a minha única fonte de rendimento. Sei o que é viver com dificuldades”, declara o autarca que é pai de três filhos.

Se pudesse, José Ornelas licenciava-se em Educação Física ou em Educação Visual, mas a falta de um canudo não o impede de se dedicar às suas paixões.


O presidente da Junta de Freguesia do Jardim da Serra pratica atletismo, orientação, trail-running e até já ganhou medalhas. Quanto aos quadros que pinta, José distribui-os pela família. “Só os venderei, um dia, quando puder cobrar milhões”, brinca.

Discurso directo/José Ornelas:


A sua indicação como candidato do PSD-M gerou alguma polémica. O que diz às pessoas que acusam Manuel Neto de o ter escolhido como uma estratégia para manter o poder de decisão na junta de freguesia?
"Ele não me escolheu. Ele indicou várias pessoas, quatro no total, mas a escolha foi do Pedro Coelho, actual presidente da Câmara com aval do PSD regional... as pessoas às vezes falam sem saber o que se passou e por isso dizem mal... outras dizem bem, enfim, não podemos mudar a mentalidade de cada um".


Quais são as  prioridades do seu mandato?
"Vamos dar continuidade ao trabalho da anterior direccão em todas as áreas. Queremos apostar na agricultura, nos caminhos agrícolas. Vamos criar um roteiro turístico para a freguesia e dota-la de um mercadinho para que os agricultores e artesãos locais possam expor os seus produtos".


O que é que mais gosta no Jardim da Serra?
"No Jardim da Serra, gosto de tudo,...  das cerejeiras em for, das cerejas para comer, da paisagem, das pessoas. A nossa freguesia tem muito para oferecer e isso vai ser demonstrado através do roteiro turístico que estamos a preparar".

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